Assim que entrou no infantário, aos três anos, Gaspar revelou ser uma criança
diferente. A mãe ficou surpreendida quando o ouviu queixar-se: «Os meninos lá só brincam!». Durante 15 dias,
chorou e pediu para ficar em casa, até que Maria de Lurdes Machado desistiu e optou por
ser ela a tomar conta do filho. O que parecia ser uma situação passageira tornou-se uma
realidade diária, finalmente compreendida quando testes certificaram que Gaspar era
sobredotado. Agora com 12 anos, continua a ser difícil lidar com ele, tanto em casa como
na escola.
Professora do ensino secundário, Maria de Lurdes sempre deu aulas à noite,
reservando o dia para estar com o filho. Juntos, passeavam pela praia , perto da sua casa
em Marisol. Aos cinco anos, Gaspar conhecia de cor os ossos dos dinossauros e ia para a
praia à procura de fósseis. Era muito apegado à mãe e não queria brincar com as
outras crianças.
Apesar de calado e introvertido, nada
fazia prever que a entrada no mundo escolar fosse tão difícil. «Foi um suplício», lembra Amaro Machado,
engenheiro civil e pai de Gaspar. No primeiro ano dizia que «a professora era muito bonita» e não tinha
dificuldades na aprendizagem. Mas no segundo tudo mudou: começou a rejeitar a escola. Os
pais assustaram-se, sem saber o que fazer. Aconselharam-se junto da professora que os
tranquilizou - o Gaspar aprendia mais depressa que as outras crianças e por isso
aborrecia-se nas aulas.
A situação normalizou-se até à entrada no 1º ciclo. Com 10 anos, só a
oferta de um computador o persuadiu a ir às aulas. Hoje, elucidados, os pais entendem a
reacção de Gaspar: «Tudo o que é novo, ele
rejeita», explica o pai. E a mãe completa: «Tem
a mania que aprende sozinho, que é autodidacta».
Os conflitos na escola e o mau aproveitamento em algumas disciplinas intrigaram
os pais, que há muito desconfiavam que Gaspar não era uma criança como as outras. Maria
de Lurdes começou a «juntar as peças do puzzle».
A sobredotação era um tiro no escuro. Leu acerca do assunto e descobriu a primeira
organização que dava apoio e aconselhamento a sobredotados, o CPCIL, em Lisboa, criado por Manuela Esteves da Silva. No Porto existe um organismo idêntico,
o Instituto da Inteligência.
No CPCIL realizou testes que avalizaram da sua sobredotação. Resultado? A
confirmação das suspeitas e a continuação de um período difícil. Com uma nova
mudança de escola no 7º ano, Gaspar preferiu um estabelecimento onde a mãe não
ensinasse. Não fez amigos e anda sozinho. A sua maior companhia é o computador do
escritório do pai. Durante os intervalos e depois das aulas, encontra ali o seu refúgio,
navegando pela Internet. Por vezes leva os amigos da rua - os únicos.
A ausência de sociabilidade e os problemas escolares de Gaspar levaram os pais a procurar ajuda junto de uma psicóloga. Esta concluiu que ele é superiormente sobredotado e adiantou que «ele pensa como um adulto mas reage como uma criança». A sua parte emotiva está atrasada, derivado ao facto de Gaspar ser um sobredotado cognitivo.
Os professores não percebem nem aceitam a atitude do aluno: «A postura dele é arrogante, dizem os professores
que pensam que ele está a desafiá-los», resume o pai: Amaro Machado explicou a
situação à Directora da escola e falou com alguns docentes, mas o filho continua a ser
penalizado por alguns professores, que não têm preparação nem sensibilidade para a
área.
Os sobredotados, fisicamente iguais a qualquer outra pessoa, não são visíveis.
A maioria das pessoas - incluindo os educadores - julgam que se eles têm uma
inteligência superior, não podem ter dificuldades na escola, o que nem sempre acontece.
Além disso, não há uma legislação que ajude estas
crianças e jovens a ser tratados consoante o seu perfil.
Como Gaspar, existem cerca de 50 mil crianças sobredotadas em Portugal. A
maioria delas não foi identificada, o que indicia a negligência de que são alvo,
sobretudo por falta de informação. Sem apoio na escola nem compreensão em casa, as
crianças são as maiores prejudicadas.
Quem são os melhores amigos de Gaspar? O mais próximo é o computador, depois o
cão e a gata, por fim o David, um amigo de 17 anos. Que mais se pode dizer?