A empresa estava a crescer e o pequeno escritório que a abrigava no Bairro Alto já não tinha espaço suficiente para as suas necessidades. Decidiu, por isso, aproveitar a oportunidade de recuperar dois andares na Rua da Prata. Passado quase um ano, e apesar dos dois episódios de roubo que sofreu, a empresa está satisfeita com a mudança e aproveita as mais-valias da Baixa Pombalina.“Queríamos manter-nos numa zona o mais central possível, a nível de transportes e de acessos. Quando surgiu uma oportunidade para recuperar dois andares na Rua da Prata, ao preço a que os conseguimos, achámos que nada podia ser melhor do que isso”, conta Hugo Xavier, um dos sócios da Cavalo de Ferro Editores.
A empresa que ocupava os andares em que a Cavalo de Ferro agora funciona queria sair da Baixa e vendeu as suas instalações por um preço muito baixo, em comparação com os que são praticados na zona. Depois das obras feitas, o novo espaço da editora foi avaliado por um banco; vale, agora, bastante mais do que o que a empresa pagou e esse valor chega a cobrir as despesas da recuperação.
Os sócios da editora sabiam que a empreitada não iria ser fácil e que os problemas são muitos na recuperação de imóveis antigos. Para o estado em que se encontravam os 2º e 3º andares do n.º 208 da Rua da Prata, o processo de recuperação até foi relativamente rápido: cerca de cinco meses. Foi preciso destruir praticamente todo o interior da fracção, que não sofria obras desde os anos 50.
“Por exemplo, os dois andares que agora temos estavam transformados em quatro, muitas das paredes eram de cartão e havia estruturas metálicas por todo o lado. Aproveitámos apenas alguns materiais, como o chão de madeira e alguns azulejos. Se tivéssemos de manter ou recuperar a parte interior da estrutura do prédio teria sido muito pior”, explica Hugo Xavier.
Depois da recuperação, ainda há problemas com a estrutura do edifício. Apesar de remodelados, os andares em causa já estão a sofrer infiltrações. Não há escoamentos, as águas escorrem das varandas para os interiores dos prédios, em vez de irem pelos algerozes e as canalizações e redes eléctricas são instaladas umas em cima das outras após sucessivas remodelações.
Ao nivel burocrático as dificuldades também foram bastantes. Foi necessário passar por processos de aprovação pela parte da CML (Câmara Municipal de Lisboa) e do IPPAR (Instituto Português do Património Arquitectónico), pelo facto de a Baixa ser uma zona histórica - que já apresentou, aliás, em 2004, uma candidatura à UNESCO para se tornar património da Humanidade.
Para Hugo Xavier, a burocracia não é justificável e o processo de recuperação das instalações da empresa que representa poderia ter sido seguido por uma só autoridade. “As vistorias que foram feitas pela CML e as que foram feitas pelo IPPAR andaram quase todas a determinar as mesmas coisas, o que não faz sentido. Seria normal que houvesse uma inspecção no início das obras, outra a meio e uma no final, mas houve alturas em que tínhamos visitas de um engenheiro a cada 15 dias, e muitas vezes tínhamos de esperar por que ele voltasse para tomar certas decisões”, afirma.
Há quase um ano no local, a empresa já viveu, por duas vezes, a criminalidade de que tanto se queixam os comerciantes e visitantes da Baixa. Numa manhã em que o escritório estava ocupado, foram roubados vários azulejos ao longo das escadas, todos de origem (Séc. XVIII), em meia hora e sem qualquer aparato. De uma outra vez, numa segunda-feira, ao chegarem à editora depois do fim-de-semana, os funcionários encontraram um dos andares vazio de material informático e a porta arrombada com um pé de cabra; as instalações ainda não tinham seguro e o alarme só funcionava no andar de baixo.
Este, como outros prédios da Baixa, não tem portas com trinco e as instalações eléctricas para os montar, bem como aos intercomunicadores, não existem. Um olhar pela janela dá para notar a facilidade de acesso ao prédio através dos edifícios paralelos das traseiras, muitos deles desocupados. Nas escadas deste n.º 208 dorme, até, com frequência, um sem-abrigo.
Para a empresa, no entanto, o prédio ganhou vida e movimento quando o andar de cima foi alugado a uma família de imigrantes indianos. “A família é numerosa e com isso há mais movimento no prédio, é mais difícil para uma pessoa entrar aqui tranquilamente e roubar, por exemplo, o resto dos azulejos”, diz Hugo Xavier.
A editora prepara-se, agora, para um novo desafio. Vai “criar uma espécie de montra/livraria no rés-do-chão, também para ter um espaço com visibilidade comercial, mas sobretudo para evitar ter outro tipo de lojas no prédio com bandeirinhas, malas e artigos de pechisbeque, que atravancam as entradas dos edifícios e tiram dignidade à zona histórica”, lamenta o empresário.