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      Fugir à pobreza
Do sonho europeu ao meio prostitucional


 
  Maria, nome fictício, deixou a sua terra natal, onde a pobreza era extrema, e veio para a Europa aos 14 anos em conjunto com a sua irmã. A oportunidade surgiu quando recebeu uma proposta aliciante. Tratava-se de um trabalho muito bem pago. No entanto, deparou-se no mundo da prostituição.

“Era uma forma de o meu filho poder estudar e de não passar tanta fome. A minha irmã também veio comigo. Ela tinha 16 anos”, afirma Maria. A irmã de Maria foi deixada em França, com a mesma promessa que lhe havia sido feita. Ela continuou viagem até Espanha.

“Fui posta numa casa com outras raparigas. Todas nós éramos muito novas. Éramos 17. Era uma torre com vários apartamentos. Não conhecia ninguém! Eram raparigas que me pareciam assustadas e indiferentes. Não compreendia a palavra delas, nem elas a minha”, diz Maria, que se encontrava já no mercado da prostituição.

“O primeiro cliente tinha, penso, 40 anos, não sei bem. Fechadas num quarto todo vermelho, cama redonda, espelhos onde eu me olhava como se eu fosse muitas. Homens também eram muitos e todos iguais. Obrigou-me a despir. E fez tudo, mas tudo o que quis de mim. Chorei, gritei, implorei. Nada. Ele foi indiferente. Indiferente não. Sorria e os olhos brilhavam”, desabafa Maria.

Maria permaneceu um ano em Espanha, quando o Senhor que lhe tinha prometido o “sonho europeu” lhe propôs um trabalho diferente em Portugal. Todavia, a situação manteve-se.

“Entregou-me a outro homem que numa carrinha fechada andou muito tempo. Fui novamente para um andar. Aconteceu o mesmo que no outro lugar que se dizia Espanha. Estive lá três anos. Todos os dias, todas as semanas, o tempo sem horas. Veio outro homem que me levou de lá numa carrinha e que me despejou com mais cinco numa rua de Lisboa, disse-me, depois, uma mulher que fui encontrando nos dias futuros”, afirma Maria.

“Eu era outra. Acordava de noite com pesadelos de morte. Os meus mortos perseguiam-me vivos, esses seres errantes apontavam-me o fogo purificador que me queimava a carne e a alma. Deixava-me ficar transformada em cinzas que penetravam a terra e que lhe dava vida. Eu renascia das cinzas e voltava a ser uma mulher de 14 anos purificada no Ser do meu filho que ficou na terra esperando por mim”, acrescentava.

Maria implorava ao Senhor para que a ajudasse, mas ele reivindicava o dinheiro que havia empregue para a tratar do passaporte e do bilhete de avião e ameaçava contar aos familiares e a toda a aldeia que se prostituía.

“Hoje não me vendo. Alguém me ajudou sem medo dos homens que me metiam medo. Devolveu--me à terra deste país estrangeiro, onde sou preta estrangeira. Há-de vir toda a minha família para esta terra estrangeira para não passar fome e onde o meu filho homem há-de estudar. Eu não posso voltar.”

Maria deixou a prostituição. Hoje tem um trabalho que não fere a sua dignidade e está agradecida à instituição O Ninho, que desempenhou um papel para que isso fosse possível.

Ana Almeida

Jacinto Delgado

Tânia Ferreira

     
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Jacinto Delgado
jacinto_ferreira@hotmail.com