“O Filme do Desassossego” é a retribuição de uma dívida que Fernando Pessoa tinha para com o realizador João Botelho. “Na altura em que fiz ‘Conversa Acabada’ ajudei o Pessoa a ser conhecido, achei que era altura de ele me ajudar a mim”, em entrevista ao i.
O primeiro contacto com a obra de Bernardo Soares foi há cerca de 29 anos. O realizador português estava em preparação de “Conversa Acabada”, filme para o qual teve acesso aos manuscritos de Fernando Pessoa. “O ‘Livro do Desassossego’ é uma coisa fantástica, um puzzle, um labirinto sem fim. Por isso é que eu me atrevi a fazê-lo. Dá para montar aquilo com referências sensoriais, encontrar uma ordem cronológica. É um texto muito musical (…) aquilo lido em voz alta tem uma dimensão extra-sensorial."
Botelho admite que converter uma obra feita de monólogos interiores é um trabalho arriscado e, mesmo com filme pronto, o medo que sentia ao início ainda não se dissipou por completo. “Estou a adaptar uma grande obra e não a posso diminuir, tenho medo de não estar à altura de um livro destes.”
A narrativa, ou as várias narrativas do filme, passa-se numa Lisboa que o realizador diz querer ser a Lisboa do autor de “O Livro do Desassossego”: “É a cidade que achei poder coincidir com o percurso de Bernardo Soares, um tipo que inventou as viagens todas sem nunca sair de casa.”
O protagonista Cláudio Silva, foi escolhido por João Botelho depois de o ter visto actuar em “Tanto Amor Desperdiçado de Shakespeare” no Teatro Nacional D. Maria II. “É um tipo espectacular, devo-lhe o filme. Ele entrou tanto na personagem que teve problemas em sair. Dias depois ainda parecia o Bernardo Soares, tinha os mesmos gestos, o mesmo olhar, a mesma atitude. Trabalhei muito com ele antes de começar a filmar. O Bernardo Soares não podia estar metido no realismo. Ele foi magnífico” – confessa o cineasta.