Numa aldeia a 90 quilómetros de Lisboa, a Queima do Compadre e da Comadre resiste ao passar dos séculos. Alimentada pela rivalidade entre sexos, a tradição carnavalesca mobiliza rapazes e raparigas de Cortiçadas do Lavre, Vendas Novas, que escolhem um parceiro do sexo oposto em vias de casar, e lhe dedicam versos e um Boneco construído sobre uma armação de ferro, depois queimado.
Domingas, de 81 anos, lembra-se de participar desde tenra idade. Com apenas 10 anos, já ajudava os rapazes a construírem a sua Boneca. «Fazia colares e pulseiras», recorda saudosamente. Mais tarde, integrou o grupo das raparigas, como era da praxe, e viveu algumas situações pitorescas. «Certa vez, escondemos o Boneco na casa dos meus avós, debaixo de um colchão. O meu primo descobriu e chamou os outros rapazes. Para que o não roubassem, queimámo-lo na lareira da casa», conta Domingas.
Mingas, como é mais conhecida, é uma das veteranas da festa, que já faz parte da vida daquela aldeia alentejana. De acordo com a Vice-Presidente da Junta de Freguesia, Luísa Martins, esta tradição é única em todo o País e assume uma importância primordial para a comunidade local. «É um dos motores de desenvolvimento da Freguesia, e a iniciativa que mais forasteiros atrai à aldeia. Já apareceu na televisão e na imprensa regional», revela a autarca.
Actualmente, Mingas já só vê o cortejo a partir da sua janela, no dia da Queima. «Dantes, brincava-se mais e só se deixava a roupa do Boneco, era mais inocente. Agora é só provocação e aldrabice», queixa-se.
Por seu turno, Luísa Martins continua a participar na festa, apesar de casada. Empresta a casa para servir de esconderijo ao Boneco e, no próprio dia da Queima, ajuda nos preparativos. Mas admite que «os versos retratam as pessoas bem demais, até. Já estão numa fase exagerada, em que não respeitam a privacidade das pessoas».
Carlos Atalaia e Laura Perdigão