Estudo revela

Cegos têm conteúdos visuais

Hélder Bértolo, físico português, tem realizado estudos para verificar a possibilidade dos cegos verem. O primeiro passo consistiu na análise dos sonhos dos cegos e na verificação da existência de conteúdos visuais nos cegos. A investigação vai de encontro ao mecanismo americano Olho-Dobelle, com a particularidade de ser dirigida a cegos congénitos. O investigador acredita que é possível os cegos verem, embora ainda haja um longo caminho a percorrer.

 

Como é que um cego congénito consegue desenhar uma galinha se não tem um conhecimento a priori do animal? Da mesma forma, como é possível que descreva situações e objectos utilizando as nomenclaturas correctas? As respostas a estas questões podem ser encontradas no estudo levado a cabo por Hélder Bértolo, licenciado em Física Teórica, cuja tese de mestrado em Biofísica e Física Médica incidiu sobre "O Sonho e Imagem em Invisuais".

O físico português, agora a concluir a sua tese de doutoramento, iniciou um estudo que pretendia verificar se os cegos tinham possibilidade de fazer imagens. A abordagem foi feita através dos sonhos e consistiu numa análise gramatical e numa análise de conteúdo da actividade onírica de 30 voluntários cegos. Foi-lhes entregue um registador polissonográfico ambulatório que registava todas as ondas cerebrais e, durante a noite, os voluntários eram acordados pelo investigador, em várias fases do sono, para falarem sobre o que estavam a sonhar. No final, compararam-se os sinais cerebrais com as análises de conteúdo.

Os resultados demonstraram que não há grande distinção entre o sonho de um cego e o de um normovisual. Uma pessoa sem deficiência visual, quando visualiza algo, directa ou mentalmente, bloqueia as ondas alfa que tem no cérebro. Se fechar os olhos as ondas aparecem, mas se imaginar um objecto desaparecem novamente e aparecem altas frequências.

O estudo conclui que os cegos têm conteúdos visuais e que, nos seus sonhos, ao contrário do esperado, descrevem cenas visuais. "Quando nós ouvimos o relato do sonho não conseguimos distinguir se é de um cego ou de um normovisual. É um sonho normalíssimo", garante Hélder Bértolo.

Pode pensar-se que os cegos utilizam a nomenclatura porque a aprenderam e, como tal, utilizam-na no seu discurso. Mas a análise dos sinais cerebrais dos cegos mostra que, quando há conteúdo visual, o alfa vem para baixo e as ondas de frequência vão para cima. Acontece o mesmo quando um normovisual imagina coisas visuais. "Se fosse só um discurso não teriam essa componente cerebral", explica o investigador. Na sua opinião, "eles interpretam as componentes visuais das coisas como algo que lhes é estranho e estão a utilizar o córtex visual para processar essa informação."

Este estudo tem alguma relação com o Olho-Dobelle, embora seja direccionado para quem nunca viu. O cego que já viu perde o acesso à memória, mas não a inutiliza e terá a capacidade de reaprender. Com os cegos congénitos é mais complicado por nunca terem utilizado o córtex visual. Mas a verificar-se, como comprova este estudo, que os cegos o utilizam mesmo sem saberem, há boas perspectivas de utilização de tudo o que nele está contido.

O investigador acredita ser possível, daqui a alguns anos, o emprego de um sistema semelhante ao de Dobelle para cegos congénitos. Esse está a ser o seu percurso, ao tentar, com o seu estudo, obter mais informações sobre o córtex visual. "Se soubermos exactamente que tipos de sinais é que incitam determinado tipo de imagens é mais fácil depois trabalhar com esse mecanismo", refere. Até lá, e porque o sistema visual é muito complexo, o caminho pode ser longo.

Mas, se a visão é uma aprendizagem levada a cabo pelo cérebro, o que vemos é uma interpretação que o cérebro faz daquilo que os nossos olhos captam. Desta forma, se os cegos têm a capacidade de gerar imagens terão de ser depois treinados a ver. "O trabalho de interpretar as imagens é possível de fazer", garante Hélder Bértolo. Resta esperar o avanço das investigações.