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Lei n.º 71\98 de 3 de Novembro Bases do enquadramento jurídico do
voluntariado
A Assembleia da República
decreta nos termos do artigo 161.º, alínea c), do artigo 166.º, n.º3, e do
artigo 112.º, n.º5, da Constituição, para valer como lei geral da República, o
seguinte: Capítulo I Disposições gerais
Artigo
1.º Objecto
A presente lei visa promover e garantir a
todos os cidadãos a participação solidária em acções de voluntariado e definir as
bases do seu enquadramento jurídico. Artigo 2.º Voluntariado
1 - Voluntariado é o conjunto de acções
de interesse social e comunitário realizadas de forma desinteressada por pessoas, no
âmbito de projectos, programas e outras formas de intervenção ao serviço dos
indivíduos, das famílias e da comunidade desenvolvidos sem fins lucrativos por entidades
públicas ou privadas. 2 - Não são abrangidas pela presente lei
as actuações que, embora desinteressadas, tenham um carácter isolado e esporádico ou
sejam determinadas por razões familiares, de amizade e de boa vizinhança. Artigo 3.º Voluntário
1 - O voluntário é o indivíduo que de
forma livre, desinteressada e responsável se compromete, de acordo com as suas aptidões
próprias e no seu tempo livre, a realizar acções de voluntariado no âmbito de uma
organização promotora. 2- A qualidade de voluntário não pode, de
qualquer maneira, decorrer de relação de trabalho subordinado ou autónomo ou de
qualquer relação de conteúdo patrimonial com a organização promotora, sem prejuízo
de regimes especiais constantes da lei. Artigo 4.º Organizações
promotoras
1- Para efeitos da presente lei,
consideram-se organizações promotoras as entidades públicas da administração central,
regional ou local ou outras pessoas colectivas de direito público ou privado, legalmente
constituídas, que reunam condições para integrar voluntários e coordenar o exercício
da sua actividade, que devem ser definidas nos termos do artigo 11.º 2- Poderão igualmente aderir ao regime
estabelecido no presente diploma, como organizações promotoras, outras organizações
socialmente reconhecidas que reunam condições para integrar voluntários e coordenar o
exercício da sua actividade.
3- A actividade
referida nos números anteriores tem de revestir interesse social e comunitário e pode
ser desenvolvida nos domínios cívico, da acção social, da saúde, da educação, da
ciência e cultura, da defesa do património e do ambiente, da defesa do consumidor, da
cooperação para o desenvolvimento, do emprego e da formação profissional, da
reinserção social, da protecção civil, do desenvolvimento da vida associativa e da
economia social, da promoção do voluntariado e da solidariedade social, ou em outros de
natureza análoga. Princípios Artigo 5.º Princípio
geral O Estado
reconhece valor social do voluntariado como expressão do exercício livre de uma
cidadania activa e solidária e promove e garante a sua autonomia e pluralismo. Artigo 6.º Princípios
enquadradores do voluntariado 1 - O voluntariado obedece aos
princípios da solidariedade, da participação, da cooperação, da complementaridade, da
gratuitidade, da responsabilidade e da convergência. 2 - O princípio da solidariedade traduz-se na
responsabilidade de todos os cidadãos pela realização dos fins do voluntariado. 3 - O
princípio da participação implica a intervenção das organizações representativas do
voluntariado em matérias respeitantes aos domínios em que os voluntários desenvolvem o
seu trabalho. 4 - O
princípio da cooperação envolve a possibilidade de as organizações promotoras e as
organizações representativas do voluntariado estabelecerem relações e programas de
acção concertada. 5 - O
princípio da complementaridade pressupõe que o voluntário não deve substituir os
recursos humanos considerados necessários à prossecução das actividades das
organizações promotoras, estatuariamente definidas. 6 - O
princípio da gratuitidade pressupõe que o voluntário não é remunerado, nem pode
receber subvenções ou donativos, pelo exercício do seu trabalho voluntário. 7 - O
princípio da responsabilidade reconhece que o voluntário é responsável pelo exercício
da actividade que se comprometeu realizar, dadas as expectativas criadas aos
destinatários do trabalho voluntário. 8 - O
princípio da convergência determina a harmonização da acção do voluntário com a
cultura e objectivos institucionais da entidade promotora. CAPÍTULO III 1
São direitos do voluntário: a) Ter
acesso a programas de formação inicial e contínua, tendo em vista o aperfeiçoamento do
seu trabalho voluntário; b) Dispor de um
cartão de identificação de voluntário; c) Enquadrar-se no
regime do seguro social voluntário, no caso
de não estar abrangido por um regime obrigatório de segurança social; d) Exercer seu
trabalho voluntário em condições de higiene e segurança; e) Faltar
justificadamente, se empregado, quando convocado pela organização promotora,
nomeadamente por motivo do cumprimento de missões urgentes, em situações de
emergência, calamidade pública ou equiparadas; f) Receber as
indemnizações, subsídios e pensões, bem como outras regalias legalmente definidas, em
caso de acidente ou doença contraída no exercício do trabalho voluntário; g) Estabelecer com a
entidade que colabora um programa de voluntariado que regule as suas relações mútuas e
o conteúdo, natureza e duração do trabalho voluntário que vai realizar; h) Ser ouvido na
preparação das decisões da organização promotora que afectem o desenvolvimento do
trabalho voluntário; i)
Beneficiar,
na qualidade de voluntário, de um regime especial de utilização de transportes
públicos, nas condições estabelecidas na legislação aplicável; j) Ser reembolsado
das importância despendidas no exercício de uma actividade programada pela organização
promotora, desde que inadiáveis e devidamente justificadas, dentro dos limites
eventualmente estabelecidas pela mesma entidade. 2
- As faltas justificadas previstas na
alínea e) contam, para
todos os efeitos, como tempo de serviço efectivo e não podem implicar perda de quaisquer direitos ou
regalias. 3- A qualidade de
voluntário compatível com a de associado, de membro dos corpos sociais e de
beneficiário da organização promotora através da qual
exerce o voluntariado. Artigo 8.º Deveres do
voluntário São deveres do
voluntário: a)
Observar
os princípios deontológicos por que se rege a actividade que realiza, designadamente o
respeito pela vida privada de todos quantos dela beneficiam; b)
Observar
as normas que regulam o funcionamento da entidade a que presta colaboração e dos
respectivos programas ou projectos; c)
Actuar
de forma diligente, isenta e solidária; d)
Participar
nos programas de formação destinados ao correcto desenvolvimento do trabalho
voluntário; e)
Zelar
pela boa utilização dos recursos materiais e dos bens, equipamentos e utensílios postos
ao seu dispor; f)
Colaborar
com os profissionais da organização promotora, respeitando as suas opções e seguindo
as suas orientações técnicas; g)
Não
assumir o papel de representante da organização promotora sem o conhecimento e prévia
autorização desta; h)
Garantir
a regularidade do exercício do trabalho voluntário de acordo com o programa acordado com
organização promotora; i)
Utilizar
devidamente a identificação como voluntário no exercício da sua actividade. Relações entre o
voluntário e a organização promotora
Programa de
voluntariado Com respeito
pelas normas legais e estatuárias
aplicáveis, deve ser acordado entre a organização promotora e o voluntário um programa
de voluntariado do qual possam constar, designadamente: a) A definição do âmbito do trabalho voluntário em
função do perfil do voluntário e dos domínios da actividade previamente definidos pela
organização promotora; b) Os critério de
participação nas actividades promovidas pela organização promotora, a definição das
funções dela decorrentes, a sua duração e as formas de desvinculação; c) As condições de acesso aos locais onde deva ser
desenvolvido o trabalho voluntário, nomeadamente lares, estabelecimentos hospitalares e
estabelecimentos prisionais; d) Os sistemas internos de informação e de
orientação para a realização das tarefas destinadas aos voluntários; e) A avaliação periódica dos resultados do trabalho
voluntário desenvolvido; f) A realização das acções de formação
destinadas ao bom desenvolvimento do trabalho voluntário; g) A cobertura dos riscos a com voluntário está
sujeito e dos prejuízos que pode provocar a terceiros no exercício da sua actividade,
tendo em consideração as normas aplicáveis em matéria de responsabilidade civil; h) A identificação como participante no programa a
desenvolver e a certificação da sua participação; i) O modo de
resolução de conflitos entre a organização promotora e o voluntário. Artigo 10.º Suspensão
e cessação do trabalho voluntário
1 - O voluntário que pretenda interromper ou cessar o
trabalho voluntário deve informar a entidade promotora com a maior antecedência
possível. 2 - A organização promotora pode dispensar a
colaboração do voluntário a título temporário ou definitivo sempre que a alteração
dos objectivos das práticas institucionais o justifique. 3 - A organização promotora pode determinar a
suspensão ou a cessação da colaboração do voluntário em todos ou em alguns domínios
de actividade no caso de em incumprimento grave e reiterado do programa do voluntariado
por parte do voluntário. Disposições finais e
transitórias
Regulamentação 1 - O Governo deve proceder à regulamentação da
presente lei no prazo máximo de 90 dias, estabelecendo as condições necessárias à sua
integral e efectiva aplicação, nomeadamente as condições da efectivação dos direitos
consignados nas alíneas f), g) e j) do n.º 1 do artigo 7.º 2 - A
regulamentação deve ter ainda em conta a especificidade de cada sector da actividade em
se exerce o voluntariado. 3 - Até à sua regulamentação mantém-se em vigor a
legislação que não contrarie o preceituado na presente lei. Artigo 12.º Entrada
em vigor
A presente lei
entra em vigor 30 dias após a sua publicação. Aprovada em 24 de
Setembro de 1998. O Presidente da
Assembleia da República, António de Almeida Santos. Promulgada em 21 de Outubro de 1998. Publique-se. O Presidente da República, Jorge Sampaio. Referendada em 23 de Outubro de 1998. O Primeiro-Ministro, António Manuel de Oliveira Guterres.
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