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GLOSSÁRIO DE CRÍTICA TEXTUAL
A B C
D E F G
H I L M
N O P Q
R S T U
V
Índice palavra a palavra
A
Abreviatura: modo de grafar com omissão de certas
letras, utilizado pelos copistas medievais para pouparem tempo e espaço.
Abreviatura contextual: a omissão da sílaba tónica da palavra é marcada
por um sinal.
Abreviatura fixa: a omissão envolve sempre as mesmas letras ou segmentos
de palavra.
Adiáfora: ver variante adiáfora.
Acidental: ver lição adjectiva.
Acrescento: inserção de uma ou mais palavras num dado ponto do texto.
Alografia: variação contextual da forma de determinados grafemas, sendo
os alógrafos os diferentes tipos de grafia de uma letra, por exemplo.
Alógrafo: cópia do texto de um autor manuscrita por outra pessoa.
Alternativa: diferente solução para uma mesma passagem do texto, que o
autor manteve sem cortar nenhuma.
Anotação: numa edição crítica, registo em nota de todas as intervenções
e opções do editor.
Ante-texto: tradução do francês avant-texte; conjunto de todos os
testemunhos genéticos escritos conservados de uma obra ou de um projecto
de escrita, e organizados em função de uma cronologia das sucessivas
etapas da sua escrita. Ver dossier genético e processo genético.
Aparato crítico: parte de uma edição crítica que contém a história da
génese do texto, anotações críticas ou extractos de outras versões. No
aparato são ainda registadas todas as variantes, ainda que se trate de
lições singulares. Relativamente às variantes de forma (gráfica e
morfológica), é aconselhável agrupá-las num apêndice ou, pelo menos,
descrevê-las no prefácio. O aparato é colocado na parte inferior da
página e não nas margens laterais, como faziam os copistas medievais às
suas notas. Pode ser um aparato crítico positivo ou um aparato crítico
negativo. Embora o primeiro seja mais claro e completo, o segundo é o
mais usado por razões de economia. No aparato, as variantes são
acompanhadas da sigla do manuscrito de que fazem parte e aparecem sempre
pela mesma ordem (com indicação de versos, se for poesia, numeração por
períodos, se for prosa). Deve também fazer parte do aparato uma
descrição paleográfica de todas as lições e não apenas das rejeitadas.
Em caso de interesse, podem registar-se no aparato as conjecturas de
editores precedentes ou as lições divergentes adoptadas noutras edições
críticas.
Aparato crítico negativo: quando apenas regista as variantes rejeitadas.
O editor acolhe uma das lições variantes, aquela que caso a caso lhe
parece a mais correcta, e remete as outras para nota, identificando
sempre o testemunho em que cada uma ocorre. O testemunho cuja lição foi
adoptada não é referido, mas, na nota, transcreve-se a lição que
apresenta.
Aparato crítico positivo: quando é indicado o testemunho da lição
adoptada, e ainda se registam todas as variantes com indicação do
manuscrito em que aparecem.
Aparato genético: parte de uma edição crítico-genética que contém a
história da génese do texto, com toda a sucessão das variantes inseridas
na linha cronológica.
Apógrafo: cópia feita a partir de um original do autor, ou qualquer
cópia feita ao longo da tradição. Manuscrito copiado a partir de um
modelo ("exemplar"). Quando o modelo ou exemplar chega até nós, o
apógrafo deixa de ser necessário.
Arquétipo: na filologia lachmanniana [ver lachmanniano (método)], texto
reconstituído como antepassado comum da tradição textual, compreendendo
as diferentes cópias, e que não se confunde com o original perdido. A
existência do arquétipo é demonstrável da seguinte forma: quando todos
os manuscritos do texto em análise contêm pelo menos um erro conjuntivo,
sendo improvável que dois (ou mais) copistas tenham cometido o mesmo
erro separadamente.
Ascendente: manuscrito para o qual remete uma família de manuscritos –
pode coincidir com o arquétipo.
Autógrafo: manuscrito da mão do autor (por oposição a alógrafo).
Autor: instância que assina e assume um texto, por manifestação ou
atribuição, embora, ao longo da história da escrita, a acepção da
palavra tenha variado substancialmente. Na Idade Média, organizam-se em
torno do texto antigo diferentes funções: o scriptor, que apenas faz
cópias; o compilator, que acrescenta àquilo que copia, mas sem nunca
introduzir escritos seus; o commentator, que escreve de sua mão própria
sobre o texto copiado, mas que tem por único objectivo torná-lo
inteligível; o auctor, que escreve em seu próprio nome, embora se apoie
constantemente em outras autoridades. Depois do Iluminismo e, sobretudo,
do Romantismo o autor ganha uma tal dimensão que passa a centrar toda a
crítica textual, regendo todas as tarefas de fixação e disposição do
texto em nome das suas intenções finais.
B
Bibliografia material: disciplina que estuda o livro impresso, quer do
ponto de vista das práticas tipográficas quer dos pontos de vista
comercial e cultural (vs. codicologia e manuscritologia).
Bifólio: suporte de escrita obtido a partir de uma folha (ou fólio)
dobrada.
C
Cabeça: parte superior da página.
Cabeçalho: título colocado na cabeça.
Cacografia: erro ortográfico.
Caderno: bifólios, dispostos por encasamento ou encarte, que constituem
um livro; um caderno é bínio se for constituído por dois bifólios, terno
se por três, quaterno se por quatro, quínio se por cinco, etc. A
designação que se consagrou pode ter a ver com uma composição
tradicional de quatro bifólios.
Campanha de correcção: correcção autógrafa, prosseguida do princípio ao
fim do texto, e que representa um momento genético próprio.
Campanha de escrita: operação de escrita que corresponde a uma certa
unidade de tempo e de coerência escritural; depois de uma interrupção,
pode começar-se uma nova campanha de escrita, que muitas vezes implica a
reescrita.
Codex interpositus: códice perdido que pode ser reconstruído através da
análise comparativa da varia lectio. Pode ser o antepassado de todos os
manuscritos da tradição – e então coincide com o arquétipo – ou então
pode ser apenas o antepassado duma família de testemunhos, e constitui
por isso um subarquétipo.
Codex optimus: manuscrito mais antigo, mais completo e, em geral, mais
correcto, tradicionalmente identificado com o codex vetustissimus. Hoje
deveria ser um conceito usado apenas no plano teórico, visto que cada
manuscrito só vale pelo lugar que ocupa no stemma codicum, mas há
autores que ainda o usam com frequência (sobretudo na filologia
clássica).
Codex unicus: único códice que contém determinada obra, pelo que levanta
sérios problemas ao editor crítico.
Codex vetustissimus: ver codex optimus.
Códice: livro manuscrito organizado por cadernos cosidos e encadernados
(está entre o rolo, ou volumen, e o livro impresso).
Codices plurimi: múltiplos testemunhos de um texto, manuscritos ou
impressos, de existência muito frequente (vs. codex unicus).
Codicologia: disciplina que estuda o códice nas perspectivas material
(suporte, tinta, letra, cadernos, encadernação), histórica e cultural (vs.
bibliografia material e manuscritologia).
Colação: comparação (collatio codicum) de todos os testemunhos de um
texto para reconhecer todas as suas variantes. Operação necessária para
a constituição do processo genético (para os testemunhos autógrafos) ou
do estema (para as tradições), ou para a organização dos cadernos na
bibliografia material.
Collatio codicum: comparação das várias atestações manuscritas ou
impressas da obra a publicar. Deve ser um procedimento muito cuidadoso,
para não influenciar os resultados da recensio e da restitutio textus.
Cólofon: fórmula final de um texto, contendo o agente, o local e a data
da cópia – manuscrita ou impressa – e outro elementos identificadores,
como o número de exemplares de tiragem.
Conjectura: correcção introduzida no texto pelo editor, destinada a
eliminar um erro ou anomalia que se pode supor não serem devidos ao
autor. Distingue-se conjectura antiga de conjectura moderna: a primeira
é relativa a correcções introduzidas por eruditos, amanuenses ou
editores em épocas anteriores à da edição crítica, a segunda refere-se a
todas as outras correcções. A conjectura antiga complica o trabalho da
recensio, na medida em que introduz na tradição elementos que não faziam
parte do arquétipo. A conjectura moderna é usada com abundância por
alguns autores e muito pouco por outros. Apesar da sua prática ser
aleatória, é indiscutível que a conjectura é necessária.
Conjectura, correcção por: acto de reconstruir uma lição sem apoio de
testemunhos, eliminando uma forma errada ou preenchendo uma lacuna
presente na tradição (sinónimos: divinatio e emendatio ope ingenii).
Conjectural, método: método desenvolvido na Grécia Antiga para fixar os
textos homéricos a partir de tradições orais, consiste em perceber um
erro e adivinhar a correcção que é necessário introduzir. Para controlar
o seu grau de imprecisão, é necessário um exame crítico da sua adequação
ao contexto, às regras da gramática, ao género e ao usus scribendi.
Constelação: Modo como um manuscrito ou um grupo de manuscritos se
dispõem respectivamente no stemma ou num ramo do stemma. A constelação
pode ser comparada a uma fórmula química cujo significado depende da
disposição dos seus elementos. O termo é usado, sobretudo, em relação à
produção lírica, para a qual os amanuenses tinham ao seu dispor vários
exemplares diferentes do mesmo texto ao proceder à sua cópia. A
existência duma constelação implica, quase necessariamente, a existência
de uma tradição contaminada.
Constitutio textus: Operação pela qual se reconstitui a lição do
arquétipo, mediante a comparação e junção das partes consideradas boas
existentes em lições de vários manuscritos.
Contaminação: processo mediante o qual o amanuense procede a correcções
no texto do modelo a partir do qual copia, pelo confronto com outros
exemplares ou pela cópia de variantes assinaladas na margem do modelo.
Contrafacção: edição ilícita de um livro, feita à margem do seu autor ou
do editor que detêm os direitos.
Cópia: processo de reprodução de um texto, a partir de um exemplar
modelo, pela mão do autor ou de um copista, e que constitui um novo
testemunho. A noção essencial é a de que, sempre que é feita, introduz
erros novos.
Cópia idiógrafa: cópia realizada com supervisão do autor.
Copista: agente que executa transcrições manuscritas de textos; o termo,
por vezes, coincide com o de escriba.
Copy-text: ver texto-base.
Correcção (correctio; emendatio): operação de emenda feita por um
revisor (no caso de cópias manuscritas), ou por um editor, com vista a
expurgar o texto de erros, lacunas ou acrescentos nele introduzidos por
outrem (nos testemunhos da tradição), ou de erros óbvios da
responsabilidade do próprio autor (nos autógrafos). As correcções
introduzidas pelo editor crítico, de acordo com um modelo considerado
bom, são devidamente assinaladas e descritas no aparato crítico.
Correcção de autor: alteração introduzida pelo autor no seu manuscrito,
com vista a melhorá-lo; a lição anterior e a nova constituem variantes
de autor.
Correctio: ver correcção.
Correctio ex libro: operação de corrigir um texto com base num
testemunho autorizado (no caso de tradições) ou no original do autor
(quando disponível).
Critérios de transcrição: conjunto das regras e procedimentos adoptados
na transcrição de um texto (ortografia, capitalização, pontuação, etc.),
que devem ser devidamente descritos e justificados.
Crítica genética: crítica textual aplicada a conjuntos complexos de
manuscritos autógrafos (notas, esboços, versões transitórias, cópias a
limpo e texto definitivo), com o objectivo de estudar e determinar o
processo de génese do texto neles escrito e reescrito, dando-se especial
atenção aos aspectos materiais que a documentam (marcas de manipulação autógrafa).
Crítica textual: disciplina que tem por objectivo reproduzir o texto na
forma do original ou equivalente (constitutio textus), eliminando para
isso as intervenções espúrias da tradição (quando se trata de textos
antigos), ou, nos casos em que existam autógrafos e primeiras edições
(textos modernos), na forma que é definida pelo editor crítico como
melhor correspondendo à vontade do autor.
Crítica textual moderna: modalidade da crítica textual aplicada a textos
com original disponível, com o objectivo de o editar, corrigindo, se for
o caso, os erros introduzidos na tradição impressa.
Crítica textual tradicional: modalidade da crítica textual aplicada a
textos com original ausente, com o objectivo de o reconstituir,
eliminando os erros introduzidos na tradição.
Crux interpretum: signo tipográfico (†) utilizado numa edição para
indicar uma lição ilegível ou uma lacuna do texto que não pode ser
reconstituído nem por conjectura.
D
Dactiloscrito: testemunho dactilografado de um texto, estabelecido pelo
autor (caso em que integra a área do autógrafo) ou por outra pessoa (um
copista).
Decifração: operação de leitura, através da qual o crítico descodifica a
letra do manuscrito e todas as indicações nele deixadas pelo autor, pelo
copista, pelo revisor ou por qualquer outro interveniente no processo
genético e histórico do manuscrito.
Descrição material: operação de identificação sistematizada das
características materiais de um testemunho, indicando se se trata de
autógrafo ou não, o aspecto e condições gerais do suporte e da mancha
escrita, o instrumento de escrita utilizado, etc.
Deslocamento: processo de transferência, no espaço, de elementos
textuais, efectuada geralmente no momento de escrita, quando o copista
procura compensar um erro de cópia resultante de um salto de igual para
igual no sentido progressivo.
Difficilior lectio: lição «mais difícil» que corresponde a uma lição
mais plausível, visto que a tendência de um copista é a de simplificar,
trivializar. Todavia, não se deve confundir lição mais difícil com lição
mais improvável.
Difracção: fenómeno através do qual uma lição vem a ser interpretada de
modo diferente (correcto ou errado) pelos diferentes copistas que a
transcreveram. Pode acontecer tanto por razões inerentes à estrutura
morfológica ou semântica como por razões ligadas ao seu aspecto paleográfico. A difracção pode resultar em: 1) lições erradas; 2) lições
aparentemente correctas; 3) lições com partes erradas e outras
aparentemente correctas.
Diplomática: disciplina que estuda os manuscritos solenes e fontes
documentais ou diplomas. Termo criado em Paris, nos finais do séc. XVII,
por Dom Jean Mabillon.
Discurso interior: sequência de palavras e de frases – ou nó nocional
gerador – que o autor concebe no seu espírito, antes de o fixar pela
escrita. Por vezes, o próprio discurso interior do copista interfere no
processo de cópia, dando origem a lições variantes.
Ditografia: repetição mecânica não apercebida, num dado testemunho, de
um elemento anteriormente escrito; verifica-se, por vezes, na sequência
do virar da página, acontecendo que a última sílaba ou letra da página
anterior se repete na seguinte (poderá ter a ver com a velocidade da
escrita).
Divinatio: operação ligada à correcção conjectural de passos anómalos ou
em que o suporte se apresenta gasto. Deve atender-se ao facto de as
anomalias poderem ser resultado de corruptela ou de alteração
estilística voluntária do autor. É necessário, portanto, equilibrar o
uso dos dois princípios base: usus scribendi e lectio difficilior.
Critérios para o uso da divinatio são: 1) leis gerais da psicologia da
cópia; 2) condições culturais e linguísticas da época através da qual
passa a tradição manuscrita em causa.
Dossier genético: ver processo genético e ante-texto.
Dubitação (marca de): sinal aposto pelo autor em determinadas lições,
nos seus manuscritos ou em impressos autografados, indicando que tem
dúvidas sobre a sua adequação ou que pretende substituí-la.
E
Ecdótica: termo cunhado por Henri Quentin para designar o conceito comum
de crítica textual (termo mais vulgarizado); as duas designações
coexistem.
Edição: [1] qualquer cópia de um livro feita a partir de uma mesma
composição tipográfica, incluindo todas as impressões, tiragens e
estados daí resultantes. [2] Conjunto de operações filológicas
necessárias para escolher, fixar e anotar um texto, inédito ou édito,
preparando-o para publicação num determinado circuito de leitura – isto
é, para o oferecer a um tipo caracterizado de leitor.
Edição anastática: técnica usada, sobretudo durante o séc. XIX, para a
reprodução de impressos (e também de manuscritos – neste caso com
consequências desastrosas para o modelo) através de processos químicos
(uma solução de ácido nítrico é aplicada na página a reproduzir, sendo
esta, em seguida, pressionada sobre uma placa metálica que passa a
constituir uma matriz litográfica).
Edição autêntica: a lição do original. Sempre que num dado lugar de uma
tradição os vários testemunhos apresentem lições variantes entre si, é
autêntica a que corresponde à do original, sendo as restantes inautênticas.
Edição crítica: reprodução do texto do autógrafo (quando existente) ou
do texto criticamente definido (pela operação de constitutio textus)
como mais próximo do original (quando este não existe), depois de
submetido às operações de recensão (recensio), colação (collatio),
definição do estema com base na interpretação das variantes (estemática),
definição do testemunho base, elaboração de critérios de transcrição e
de correcção (emendatio ope codicum ou emendatio ope ingenii). Todas
estas operações devem ser devidamente justificadas e explicadas (annotatio),
e todas as intervenções do editor, com realce para as lições não
adoptadas (do original ou dos testemunhos da tradição), devem ser
registadas no aparato crítico.
Edição crítico-genética: edição que combina os objectivos e os métodos
da edição crítica e da edição genética: por um lado, reproduz o texto
que o seu responsável considera criticamente como contendo a última
vontade do autor, registando todas as intervenções do editor e, no caso
de textos já publicados e que originaram tradição, elaborando um aparato
de variantes da tradição; por outro lado, faz a recensão de todos os
manuscritos relacionados com o texto, classificando-os, organizando-os e
descrevendo-os, registando em aparato genético as sucessivas alterações autorais, lugar a lugar e testemunho a testemunho, utilizando para isso
um dispositivo técnico que permite ao leitor reconstituir a génese do
texto e, eventualmente, no caso em que o texto não foi claramente
acabado pelo autor, fazer a escolha de cada uma das variantes
alternativas.
Edição diplomática: reprodução tipográfica rigorosa da lição de um
testemunho, conservando todas as suas características (erros, lacunas,
ortografia, fronteiras de palavra, abreviaturas, etc.). Também se diz
edição paleográfica. Está a cair em desuso porque a reprodução
fotográfica tem tomado o seu lugar (esta tem, contudo, alguns
inconvenientes também).
Edição fac-similada: reprodução obtida por meios mecânicos (litografia,
fotografia, fototipia, etc.) de um texto manuscrito, impresso ou
esculpido, cujo testemunho se revela muito importante, do ponto de vista
estético e filológico, e é de difícil acesso. Começou a ser feita
através de meios litográficos, já no início do séc. XIX.
Edição genética: edição que apresenta, sob forma impressa e na ordem
cronológica do processo de escrita, o conjunto dos documentos genéticos
conservados de uma obra ou de um projecto, anotados de modo a
perceber-se o processo da sua escrita.
Edição interpretativa: [1] edição crítica de um texto de testemunho
único; nesta situação, o editor transcreve o texto, corrige os erros por
conjectura (emendatio ope ingenii) e regista em aparato todas as suas
intervenções. [2] Edição de um texto de testemunho único ou de um
determinado testemunho isolado de uma tradição, destinada a um público
de não-especialistas: para além da transcrição e da correcção de erros,
o editor actualiza a ortografia e elabora notas explicativas de carácter
geral.
Edição ne varietur: Edição que é suposto conter, na íntegra, a lição autoral, obtida a partir do original ou na sequência de uma edição
crítica.
Edição original: ver editio princeps.
Edição paleográfica: ver edição diplomática.
Edição paradiplomática: edição diplomática na qual o editor intervém
apenas no que diz respeito ao desenvolvimento das abreviaturas.
Editio princeps: a primeira edição impressa de uma obra antiga ou
medieval transmitida sob a forma de manuscrito. É importante por duas
razões: pode instituir a vulgata, o texto mais divulgado; para as obras
antigas e medievais, pode reproduzir a lição de códices que não chegaram
até nós.
Edição sinóptica: edição que reproduz, lado a lado, as lições de pelo
menos dois diferentes testemunhos, com o objectivo expresso de as
comparar.
Editio variorum: exemplar de oficina, não necessariamente depositado num
scriptorium, cheio de variantes à margem ou nas entrelinhas.
Édito: texto publicado pelo próprio autor ou sob a sua orientação. A que
se opõe o texto inédito.
Editor: [1] responsável por uma edição, de cujos direitos legais fica
detentor. [2] Responsável de empresa editorial que promove a publicação
e a comercialização de um livro.
Eliminação: operação que consiste em pôr de parte elementos da tradição
desprovidos de valor enquanto testemunhos: ou porque são cópia de um
exemplar conservado ou reconstituível sem o seu contributo (eliminatio
codicum descriptorum) ou porque constituem lições dos testemunhos mais
afastados do arquétipo, da responsabilidade do amanuense e, por isso
mesmo, inúteis para a reconstituição do original (eliminatio lectionum
singularium).
Emendatio ope codicum: ver correctio ex libro.
Emendatio ope ingenii: ver conjectura (correcção por).
Emendatio: operação mediante a qual se corrige a lição de um texto. A
emendatio pode ser ope codicum ou ope ingenii. No primeiro caso, resulta
do estudo comparativo dos vários manuscritos disponíveis. No segundo, a
correcção é conjectura: resulta da divinatio. Hoje, considera-se que só
é aconselhável recorrer à divinatio quando os resultados da recensio são
manifestamente insuficientes para a reconstituição do texto. A emendatio
ope codicum baseia-se na lei do maior número e no cálculo das
probabilidades.
Encadeamento dos testemunhos: processo de relacionamento cronológico e
de grau de parentesco entre os vários testemunhos (num processo genético
ou numa tradição).
Entrelinha: espaço em branco existente entre duas linhas de texto; nos
manuscritos (sobretudo nos modernos, mas também nos antigos), este
espaço é frequentemente usado para introduzir correcções ou acrescentos
ao texto escrito na linha.
Erro: qualquer desvio em relação à lição original. Visto que se trata
duma inovação, é o principal elemento que atesta o agrupamento dos
códices que reproduzem uma mesma obra em famílias de manuscritos. É
claro que os erros de autor, as adiáforas e algumas lições
características não podem ser usadas para esse efeito. Só os erros
significativos (como lhes chamou Maas) devem servir para isso, por
apresentarem os seguintes requisitos: devem ser erros próprios de dois
ou mais manuscritos – erros conjuntivos; devem ser erros impossíveis de
eliminar por conjectura – erros separativos. Se o editor não conseguir
encontrar erros significativos, não pode, com certeza, estabelecer o
stemma. Para demonstrar a existência do arquétipo basta um erro
conjuntivo na tradição manuscrita. A probabilidade de descobrir esse
erro é tanto maior quanto menor o número de manuscritos através dos
quais se transmitiu a obra em estudo.
Erro conjuntivo: erro comum a dois ou mais testemunhos do mesmo texto e
que nunca poderiam ter sido cometidos se fossem independentes um do
outro; a sua ocorrência pressupõe a existência de, pelo menos, um outro
testemunho intermediário.
Erro paleográfico: erro provocado pela má interpretação, por parte do
copista, de uma determinada letra, sinal de abreviatura ou ligadura
entre letras.
Erro separativo: erro detectado num testemunho mas não em outro do mesmo
texto, e que não poderia ter sido corrigido pelo copista, o que leva a
concluir tratar-se de testemunhos independentes entre si.
Erro significativo: ver erro.
Esboço: manuscrito que contém uma forma ainda muito precoce do texto,
mas prenunciando já a sua forma final.
Escriba: agente que executa transcrições ou ditados manuscritos de
textos; o termo aplica-se geralmente aos artífices do livro antigo e,
por vezes, coincide com o de copista.
Espaço gráfico: espaço da página escrita sobre a qual se distinguem
espaços em branco e significantes gráficos; o espaço gráfico de uma
página impressa é o mesmo no interior de um livro; o de um maço de
manuscritos pode variar de página para página.
Estema (stemma codicum): esquema que representa a relação hierárquica
dos testemunhos da tradição. Obtém-se depois de, feita a colação, se ter
procedido ao encadeamento dos testemunhos e se ter definido a relação de
conexão e de derivação entre eles. Num estema, os testemunhos conhecidos
são representados por letras romanas e os desconhecidos e conjecturados
por letras gregas.
Estemática: registo, classificação e interpretação das variantes dos
testemunhos da tradição, com vista a definirem-se as relações
hierárquicas (descendentes, ascendentes ou colaterais) entre eles, e a
reconstituir-se o processo de transmissão; culmina no estema.
Examinatio: operação que consiste em estabelecer se, numa tradição com
dois ramos definidos a partir de duas variantes, uma ou nenhuma destas é
original.
Exemplar: [1] manuscrito modelo do qual se transcreve o texto; [2]
manuscrito copiado a partir de um modelo ou apógrafo.
Explicit: palavras ou fórmula que encerram ou anunciam o encerramento de
um texto.
F
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Fac-símile:
ver edição fac-similada.
Família: conjunto de manuscritos que derivam de um mesmo ascendente ou
codex interpositus (quer seja arquétipo ou subarquétipo), diferente de
outro conjunto de manuscritos. A existência de uma família de
manuscritos é atestada pela presença de um ou mais erros significativos
em todos eles.
Filigrana: ver marca de água.
Filologia: disciplina que tem por objectivo a reprodução ou a
reconstrução dos textos do passado, tendo em conta quer as dimensões
sincrónica e diacrónica quer os seus aspectos linguísticos e históricos;
culmina na crítica textual.
Folha de rosto: folha do livro ou do caderno solto que apresenta, no
recto, pelo menos o título e o nome do autor do respectivo texto. Também
se designa por frontispício ou portada.
Foliação: numeração dos fólios de um códice, feita geralmente no canto
superior externo do recto.
Fólio: suporte em papel de formato variável, cujas faces se designam por
recto e verso; na tradição do livro manuscrito, o fólio, de grande
formato, foi dobrado em dois, em quatro ou em oito (donde os nomes in
folio, in quarto, in octavo) antes de chegar ao formato de códice. Uma
página manuscrita de uma compilação, por exemplo, é identificável pelo
número do fólio.
Fonte: conjunto de matrizes tipográficas de letras, números e sinais.
Frontispício: ver folha de rosto.
G
Génese: história do nascimento e do devir escrito de uma obra, desde os
seus primeiros esboços escritos até à sua última forma atestada.
Granel: ver prova (tipográfica). Primeira de todas as provas
tipográficas, ainda não formatada ou paginada.
H
Haplografia: omissão de uma letra, sílaba, palavra ou conjunto de
palavras, devida à semelhança que se estabelece com a letra, sílaba ou
palavra contíguas.
Homoioteleuton: ver salto de igual para igual.
I
Ideógrafo: texto de um manuscrito não autógrafo mas revisto pelo autor.
Impresso: testemunho obtido por meios tipográficos, tanto em folha solta
como num caderno ou num livro.
In octavo: formato de um livro em que cada folha de impressão é dobrada
em oito, dando dezasseis páginas, com uma altura média entre 20 e 25 cm.
In quarto: formato de um livro em que cada folha de impressão é dobrada
em quatro, dando oito páginas com uma altura média entre 25 e 35cm.
In-fólio: formato de um livro em que cada folha de impressão é apenas
dobrada em duas, dando portanto quatro páginas, com uma altura média
entre 35 e 50 cm.
In-plano: formato de uma ou duas páginas de impressão, recto e verso.
In-pleno: folha de papel não dobrada, por exemplo um mapa.
Incipit: início de um texto. Termo também usado para referir, usando as
suas primeiras palavras, um texto desprovido de título.
Incunábulo: livro impresso antes de 1501; dada a sua raridade e o
carácter experimental da sua composição, constitui um objecto de grande
valor no âmbito da bibliografia material.
Inédito: em absoluto, qualquer texto não publicado; aplica-se
correntemente a textos não publicados em vida do autor. Opõe-se a texto
édito.
Intenções finais do autor: lições de textos e sua organização, fixadas
na forma que foi determinada ou desejada pelo autor.
Interpolação: elemento acrescentado por copistas ou leitores em qualquer
obra.
Interpretatio: este termo designa, habitualmente, duas operações
diversas: [1] aclaramento do texto através da separação das palavras e
dos parágrafos, das letras iniciais maiúsculas, etc.; [2] valoração do
peso ou do significado das lições singulares e das variantes de
autoridade estemática semelhante.
Instrumento de escrita: qualquer utensílio usado para escrever ou
desenhar signos gráficos sobre um suporte: estilete, pena, pena de aço,
qualquer tipo de lápis, esferográfica, etc.; a máquina de escrever e o
computador são igualmente instrumentos de escrita.
L
Lachmanniano (método): procedimento de preparação e de composição de uma
edição crítica que foi construído a partir dos trabalhos de Karl
Lachmann na primeira metade do séc. XIX. Os seus passos mais importantes
consistem na recensão dos testemunhos, na construção de um estema a
partir dos erros conjuntivos e separativos presentes na tradição, e na
produção de um texto compósito, com base nos testemunhos mais
autorizados (ou mais altos no estema). O objectivo é aproximar-se o mais
possível do original perdido.
Lacuna: omissão de uma passagem textual detectada num dos testemunhos da
tradição, devida ou a intenções de censura (do copista ou do revisor) ou
de auto-censura (do autor, nos manuscritos genéticos), ou a acidentes de
cópia (uma das consequências do salto de igual para igual), ou ainda a
aspectos relacionados com a conservação dos suportes (borrões de tinta,
manchas de humidade, rasgões, desaparecimento de folhas, etc.).
Lectio difficilior: lição atestada (ou conjectura) que se distinga de
todas as outras lições atestadas (ou de todas as outras conjecturas) por
causa do seu grau de dificuldade ou raridade do ponto de vista
morfológico, semântico ou lexical. É um dos critérios do usus scribendi
usados na selectio. O editor crítico tenderá a preferir a lectio
difficilior, dado entender-se que deverá estar mais próxima do original,
pois se pressupõe que, por ser rara e difícil, os copistas a tenham
reproduzido com mais atenção, havendo tendência para conservá-la na
tradição. No entanto, Fränkel aconselha alguns cuidados na adopção do
critério da lectio difficilior: «o que é realmente plausível: que a
lição estranha, porque mais difícil, se corrompeu numa mais fácil, ou
que, pelo contrário, a lição estranha é difícil porque corrompida?».
Lectio facilior: lição errada resultante da reinterpretação de uma lição
menos comum por analogia com outra mais comum e que lhe é semelhante na
forma. Por exemplo, eteridade > eternidade.
Letra caligráfica: é usada nos manuscritos destinados à circulação, e
caracteriza-se pelo facto de as letras (latinas) serem desenhadas como
minúsculas (a partir do séc. VII) e uma a uma, sem ligadura entre si.
Entre os vários tipos de letra caligráfica, existem a letra insular (das
ilhas britânicas), a anglo-saxónica, a merovíngia (dos Francos), a
carolíngia (séc. VIII-IX), a romana (littera romana, usada na cúria
papal, em oposição à letra carolíngia), a gótica, a visigótica hispânica
e a humanista (cerca de 1400).
Letra cursiva: usada inicialmente nos meios notariais, caracteriza-se
pelo facto de as letras serem encadeadas e existirem ligaduras entre
elas; geralmente, era apenas utilizada em manuscritos de circulação
restrita.
Lição: conteúdo de um lugar do texto em qualquer dos seus testemunhos;
pode ser substantiva (palavras ou frases) ou adjectiva – acidental na
teoria do copy-text de Greg – (sinais de pontuação e capitalização, por
exemplo). Os conceitos de lição e de variante são relativos e válidos
apenas quando se compara um manuscrito com outros. Uma variante existe
na medida em que difere da lição de outro manuscrito.
Lição adjectiva: ver lição.
Lição característica: lição própria de uma família de manuscritos. De
facto, trata-se de uma inovação, ou erro, que comprova a existência de
uma família de manuscritos.
Lição substantiva: ver lição.
Ligadura: letras ligadas entre si, gravadas e fundidas num só bloco,
frequentes nos incunábulos.
Lugar de variação: lugar do texto cuja lição varia entre dois ou mais
testemunhos da tradição.
M
Manuscrito autógrafo: manuscrito composto pela mão do próprio autor.
Manuscrito-base: [1] o manuscrito cuja lição é adoptada, em detrimento
das lições de outros manuscritos; [2] o manuscrito do qual o amanuense
fez o fundamento da sua edição.
Manuscrito electrónico: texto escrito pessoalmente pelo autor utilizando
instrumentos e suportes electrónicos (processador de texto, disco
magnético, etc.).
Manuscrito moderno: termo que designa os manuscritos que fazem parte de
uma génese textual atestada por uma diacronia de testemunhos sucessivos
e que expõem o trabalho de escrita de um autor; ao contrário do
manuscrito antigo, que tinha por função assegurar a circulação dos
textos, o manuscrito moderno é normalmente um escrito que prepara a
produção futura do livro.
Manuscrito para tipografia: manuscrito enviado pelo autor para
impressão; embora possa conter correcções e riscados, é, em geral, uma
cópia a limpo feita ou pelo autor ou por um copista profissional.
Manuscritologia: área científica que tem como objecto o manuscrito
moderno autógrafo enquanto tal, incluindo os dactiloscritos e os
impressos, com marcas manuscritas ou não, que integram o processo
genético da escrita, rasura, reescrita ao longo da produção de um dado
texto (vs. codicologia e bibliografia material).
Mão: entende-se como «copista individualizado» e engloba todas as
características de desenho de letra que distinguem um copista de outro.
Marca de água: vestígio do molde em que o papel foi fabricado,
reconhecível pela sua textura quando observado em contraluz. Permite
identificar o fabricante e datar aproximadamente o fabrico. Adopta a
forma de um símbolo que remete para certas coordenadas de produção.
Auxiliar importante para a datação a quo de textos não datados. Também é
designada por filigrana.
Margem de dorso: margem interior de uma página de caderno, códice ou
livro.
Margem de goteira: margem exterior de uma página de caderno, códice ou
livro.
Margem de pé: o mesmo que pé de página.
Modelo: testemunho, original ou não, a partir do qual se fazem cópias.
Ver exemplar.
Momento genético: estado de um texto numa determinada génese, ou
processo genético. De acordo com o método de trabalho do autor, há
certas operações (linguísticas ou estilísticas) que tendem a ocorrer num
momento específico do processo.
N
Nível final: fase do processo genético do texto documentada no último
testemunho em que o autor interveio e que se pode considerar como o
texto definitivo.
Nível terminal: fase do processo genético do texto documentada no último
testemunho em que o autor interveio; distingue-se do nível final por se
considerar que o autor abandonou o texto antes de o considerar
terminado.
Notas: elementos acrescentados ao texto pelo editor, ou pelo autor numa
fase posterior à escrita ou à primeira edição, e que esclarecem
sentidos, tiram dúvidas, indicam fontes, contextualizam em termos
histórico-culturais, referem leituras anteriores, etc.
O
Obra: impresso não periódico; resultado concreto da produção literária,
científica ou artística.
Original: texto escrito pelo autor ou por ele revisto e sob a sua
responsabilidade publicado; tanto pode ter a forma de um manuscrito
autógrafo como de um dactiloscrito ou de um impresso. É um conceito
ambíguo porque, sendo entendido como um texto autêntico que exprime a
intenção do autor, mesmo no caso de autógrafos o texto aparece
normalmente com erros, lacunas ou hesitações do autor.
Ortografia: convenção, vigente num determinado momento ou época, que
rege as maneiras de escrever correctamente e em todas as suas formas as
palavras de uma língua.
P
Página: cada uma das faces (recto e verso) duma folha ou fólio sobre a
qual se escreve.
Paleografia: disciplina que estuda a história e a tipologia dos sistemas
gráficos das escrita antigas, nomeadamente os aspectos que têm a ver com
a decifração; embora se aplique aos textos antigos, com o
desenvolvimento dos estudos na área da crítica textual moderna e
genética o seu âmbito alargou-se aos manuscritos modernos e
contemporâneos.
Palimpsesto: suporte, ou parte dele, onde foi inscrito texto sobre um
outro anteriormente eliminado por raspagem ou por qualquer outro
processo de apagamento material.
Papel: suporte para escrita fabricado a partir de fibras vegetais.
Importado da China pelos Mouros da Península Ibérica, no séc. VIII, foi
inicialmente conhecido como «pergaminho de tecido»; usado em alternativa
ao pergaminho, só com a invenção da tipografia se tornou a matéria prima
indispensável para a circulação da escrita sob a forma de livro. A
técnica manual de fabrico de papel («de forma») foi substituída pela
técnica industrial a partir do séc. XIX.
Papiro: suporte de escrita, em rolo, fabricado com fibras de papiro;
durante cerca de 2000 anos após o declínio da civilização do Antigo
Egipto, onde foi inventado, foi o suporte de escrita mais correntemente
utilizado em todo o mundo ocidental, até ser substituído pelo
pergaminho.
Passar a limpo: fazer uma cópia final sem rasuras nem correcções.
Pé de página: margem inferior da página. Em alguns modelos de edição
crítica, é usado para receber o aparato crítico, no todo ou em parte
(normalmente, para registar as variantes dos testemunhos e as
intervenções do editor). O mesmo que margem de pé ou rodapé.
Pergaminho: suporte de escrita para livros e documentos soltos,
fabricado com peles de animais (vitela, cabra, ovelha e cordeiro), usado
desde o séc. II a.C. e, com carácter de exclusividade, entre os séc. III
e XII. O nome deriva da cidade de Pérgamo, cujo rei, Êumenes II, terá
sido o impulsionador do uso do pergaminho na escrita.
Portada: ver folha de rosto.
Processo genético: conjunto das operações que conduzem ao texto final
(ou ao seu nível terminal), observável apenas através dos conjuntos de
manuscritos autógrafos deixados pelo autor; estes conjuntos são
classificados em função da cronologia das suas fases sucessivas. O mesmo
que génese e dossier genético.
Prova (tipográfica): primeira forma impressa do texto, que é submetida a
uma revisão por parte do autor ou do responsável pela edição;
geralmente, são tiradas várias provas para revisão sucessiva, e a
primeira de todas, ainda não formatada e paginada, é designada por
granel.
Q
Quentiniano (método): método probabilístico desenvolvido por Dom Henri
Quentin para uma edição crítica da Vulgata. Após as operações de
recensio e collatio, o editor identifica as variantes (rejeitando à
partida a noção de erro), organiza os testemunhos em grupos aleatórios
de três, determina se algum deles é intermediário aos outros dois,
define o encadeamento entre eles e a sua orientação do parentesco
(ascendente, descendente ou colateral), e finalmente, depois de
submetidos todos os testemunhos ao mesmo tratamento, feita a constitutio
textus e construído o stemma codicum, recupera a noção de erro
(quaisquer variantes relativamente ao original encontrado ou
reconstruído).
R
Rascunho: manuscrito autógrafo de trabalho, integrando um momento
primitivo do processo genético do texto, apresentando por isso,
normalmente, marcas físicas de manipulação autoral (correcções,
reescritas, acrescentos, etc.).
Rasura: operação de anulação de um segmento escrito, seja para o
substituir por um outro segmento (substituição), seja para o eliminar
definitivamente (supressão).
Recensão (recensio): estudo da tradição manuscrita ou impressa de uma
dada obra. Tal estudo consiste na análise comparativa das varia lectio
quando a obra foi transmitida por vários manuscritos. Se a tradição
apenas contém um códice, é o escrutínio pontual e rigoroso do único
manuscrito que se possui. A recensio, no primeiro caso, pode levar à
constituição do estema.
Recensão fechada: quando não é contaminada e quando a lição do arquétipo
(ou do original) é reconstruível com base nas leis do maior número, isto
é, quando se torna possível construir o estema com precisão suficiente
para se tirarem conclusões.
Recensão aberta: quando é contaminada e quando as lições concorrentes
são adiáforas e, portanto, não é possível aplicar a lei do maior número.
Recto: face anterior de um fólio, em oposição a verso; num livro ou
caderno abertos, é a página da direita.
Reescrita: [1] operação que consiste em voltar a escrever um texto, ou
parte dele, que já fora escrito, na sequência de alterações entretanto
introduzidas. [2] Termo que, segundo a perspectiva da crítica genética,
pode substituir-se ao termo variante.
Regularização: operação que consiste em uniformizar, submetendo-as ao
mesmo critério, as alternâncias verificadas no interior de um mesmo
paradigma gráfico; por exemplo, reduzir a alternância «v / u» a «v» numa
edição não diplomática de um texto medieval.
Remodelação: reelaboração estilística, linguística ou poética de uma
obra. É um processo muito frequente na literatura medieval.
Repetição: erro decorrente de um acto de cópia, normalmente na sequência
de um salto de igual para igual por recuo.
Restitutio textus: operação mediante a qual se reconstitui o texto
presumivelmente mais próximo do original. Esta operação, quando a
tradição compreende mais do que um manuscrito, cumpre-se, em geral, com
a ajuda do stemma e comporta operações suplementares de examinatio.
Revisor: oficial dos scriptoria que se ocupa da comparação dos textos
produzidos pelos copistas e escribas com os respectivos modelos, para
assinalar os erros que devem ser corrigidos.
Riscado: traço ou traços que suprimem letras, palavras ou mesmo grandes
porções de texto. É usado nas operações de supressão e de substituição.
Rodapé: o mesmo que pé de página.
Rubrica: resumo do conteúdo de cada texto feito no espaço deixado em
branco entre dois documentos (ou entre dois capítulos). Era, em geral,
feita por outra mão, por vezes noutra cor.
S
Salto de igual para igual: ocorre quando o copista, ao regressar com os
olhos ao modelo, os prende a uma palavra igual àquela que vira da última
vez, mas que ocupa outro lugar. Este salto pode ser em recuo, dando
origem a texto repetido (ditografia), ou em avanço, passando em branco a
extensão de texto entre as duas palavras iguais (lacuna). É, em geral,
ao corrigir erros deste tipo que o copista procede a deslocamentos
indevidos do texto copiado. Também se designa por homoioteleuton.
Scriptorium: dependência de uma instituição eclesiástica onde eram
produzidas cópias manuscritas de livros.
Selectio: operação que consiste em escolher, entre diversas tradições de
igual valor estemático, aquela que é suficiente para reconstituir o
original, compreendendo: 1) selecção entre adiáforas ou variantes de
natureza diversa, em relação às quais é impossível decidir recorrendo
apenas a critérios mecânicos; 2) escolha entre várias conjecturas
igualmente possíveis; neste caso, recorre-se quase sempre ao princípio
do usus scribendi e da lectio difficilior.
Série textual monogenética: sucessão de cópias de que se conhece o
modelo original; sucessão temporal de esboços preparatórios, um original
(manuscrito, dactiloscrito), mais a primeira edição e as edições
subsequentes.
Série textual poligenética: na ausência de original do autor,
coexistência de linhas de transmissão de cópias provenientes de modelos
díspares.
Sistema gráfico: conjunto lógico de símbolos utilizados para representar
sons pré-existentes.
Sistematicidade da assistematicidade: designação utilizada para
descrever situações em que uma dada forma gráfica não ocorre
obrigatoriamente em determinados contextos, mas, quando ocorre, ocorre
geralmente num contexto determinado.
Stemma codicum: esquema que representa a tradição manuscrita ou impressa
de uma dada obra. Nele, os testemunhos são representados por meio de
letras e as relações que se estabelecem entre eles por meio de setas. O
stemma tem ao mesmo tempo um interesse histórico (porque reconstrói o
percurso da transmissão duma obra) e um interesse prático (porque guia
as operações de restitutio textus e de emendatio).
Substituição à frente: designa o processo de substituição, pelo autor,
de elementos textuais em que o substituto se coloca à frente do
substituído; uma vez que se verificou no momento da escrita, é um
fenómeno de substituição em curso de redacção.
Substituição na entrelinha: designa o processo de substituição, pelo
autor, de elementos textuais em que o substituto se coloca na entrelinha
por cima do substituído (raramente na entrelinha inferior), em virtude
de o espaço à frente já estar ocupado; por isso, é um fenómeno de
substituição de segundo momento.
Substituição por sobrecarga: o mesmo que substituição por sobreposição.
Substituição por sobreposição: designa o processo de substituição, pelo
autor, de elementos textuais em que os traços gráficos do substituto
adaptam todos ou alguns dos do substituído; na prática, a nova lição
ocupa o espaço da anterior.
Suporte: material que veicula a lição. Designa quer a tinta utilizada
quer o material sobre o qual se escreve: pedra, metal, madeira, cera,
pele, papiro, pergaminho, papel, acetato, fita e disco magnéticos, etc.
Supressão: acto de eliminar um elemento introduzido por engano na cópia.
Para a crítica genética, designa o processo de eliminação, pelo autor,
de texto já escrito, através de rasura ou riscado. Pode ser
materializada ou não: quando o autor elimina texto por riscado, a
supressão é materializada; mas quando o faz na passagem de um testemunho
genético para o que se lhe segue no processo, é não materializada.
T
Testemunho: manuscritos ou impressos que transmitem a obra. Designa o
exemplar de um texto com todas as características próprias: suportes,
lições, variantes.
Testemunho misto: Quando coexistem, num mesmo testemunho, texto impresso
ou dactiloscrito e manuscrito.
Testemunho único (codex unicus): relativo a uma tradição constituída por
um único testemunho.
Texto: material semiótico delimitado (por exemplo, os signos da língua
natural), do qual são determináveis um princípio e um fim, com uma
sequência ou uma extensão correspondendo a dimensões muito variáveis
(que, por exemplo, tanto podem coincidir com uma frase como com um livro
inteiro).
Texto-base (copy-text): é o texto do testemunho adoptado na edição
crítica, ou seja, aquele cujas lições não passam, em caso de variação,
para o aparato crítico. Deve ser adoptado como tal o texto do manuscrito
do autor ou, na sua falta, o testemunho não autógrafo que lhe esteja
mais próximo. Para Greg, sempre que não exista manuscrito autógrafo, o
texto-base deve ser o da edição mais antiga de uma tradição de edições
impressas, tanto nos seus aspectos substantivos (palavras) como nos
acidentais (pontuação, capitalização, união e separação de palavras,
abreviaturas, etc., que são por regra normalizados pelo tipógrafo de
edição para edição). No entanto, é reservado ao editor o direito de
emendar o texto a partir de outro testemunho que pontualmente considere
melhor.
Texto crítico: é o resultado de uma técnica de eclectismo controlado,
através da qual o editor corrige o texto-base, substituindo lições a
partir de outros testemunhos ou fornecendo outras novas, convencido de
que tais alterações representam melhor as intenções do autor do que as
lições do texto-base, uma vez que corrige erros, omissões, ou alterações
não autorizadas. É o resultado de qualquer edição crítica, incluindo
aquelas que partem de manuscritos autógrafos ou de impressos controlados
pelo autor. Quando o texto é estabelecido com base nas leis da Crítica
Textual, deve apresentar uma descrição exaustiva dos signos diacríticos
usados na edição. Alguns princípios tipográficos correntes: 1) entre
parênteses curvos aparecem os suplementos introduzidos para colmatar
lacunas; 2) entre parênteses rectos as interpretações; 3) em cursivo as
abreviaturas; 4) asterisco antes e depois dos lugares reconstituíveis
por conjectura; 5) um ponto debaixo de cada letra ilegível.
Textus receptus: texto da edição corrente aceite pela maioria dos
editores, sem atender à qualidade das lições.
Tradição: totalidade dos testemunhos, manuscritos ou impressos,
conservados ou desaparecidos em que um texto se materializou ao longo da
sua transmissão. Pode indicar dois conceitos diferentes: 1) conjunto de
lições que caracterizam um manuscrito ou família de manuscritos; 2)
conjunto de testemunhos de uma obra, sejam eles manuscritos ou
impressos. Se apenas se conhece um testemunho, diz-se que é uma tradição
de testemunho único; se se conhecem dois ou mais, diz-se que é uma
tradição de testemunho duplo ou múltiplo. A tradição pode ser directa ou
indirecta. O primeiro caso compreende os manuscritos e as edições
impressas em que a obra se conserva; o segundo compreende as citações,
as traduções e todas as outras atestações de segunda mão.
Tradição binária: tradição que contém um arquétipo com dois ramos.
Transcrição: processo de produção de um novo testemunho de um texto,
feito de acordo com critérios previamente definidos, tendo em conta as
características do texto e do público a que se destina; aplica-se,
geralmente, no âmbito da elaboração de edições críticas.
Transcrição linearizada: reprodução mecânica de um manuscrito com todos
os seus acidentes genéticos, mas sem respeitar a respectiva topografia;
para que o leitor possa ficar com uma ideia exacta desta topografia, são
usados sinais convencionais devidamente descodificados (indicando, por
exemplo, se um determinado acrescento está na margem ou na entrelinha,
ou que uma dada alternativa não solucionada foi escrita depois de uma
outra para o mesmo lugar). Esta operação já é o resultado de um trabalho
crítico, uma vez que o transcritor teve que, previamente, interpretar os
dados existentes no manuscrito.
Trivializacão poligenética: fenómeno segundo o qual as estruturas se
modificam de determinado modo ainda que em ambientes e em épocas
distintas. A tendência geral vai no sentido da corrupção e da
banalização. Isto não impede que haja variantes sinónimas ou quase
sinónimas.
U
Usus scribendi: conjunto dos hábitos gramaticais e estilísticos de um
escritor, de uma escola ou de uma época. É considerado nas tomadas de
decisão do editor crítico, ou para fazer conjecturas em situação de erro
ou de lacuna, ou para escolher entre variantes documentadas em
diferentes testemunhos. É um dos critérios, junto com a lectio
difficilior, normalmente usados para arbitrar em caso de lições de igual
autoridade documentária.
V
Varia lectio: conjunto de várias lições ou variantes atestadas em um ou
mais manuscritos de uma determinada obra.
Variante: lição divergente, num dado lugar do texto, entre dois ou mais
testemunhos.
Variante adiáfora: diz-se, no momento da constitutio textus, da lição ou
variante que resulta de um erro invisível ou que faz sentido, e em
relação à qual, recorrendo à ajuda do stemma, do usus scribendi e da
lectio difficilior, é impossível decidir se está menos ou mais certa que
outra. Ver variante equipolente.
Variante alternativa: por vezes, o autor do texto apresenta várias
lições para o mesmo lugar, não se decidindo por nenhuma delas; cabe ao
editor tomar uma decisão, indicando as lições não adoptadas e
justificando a sua escolha.
Variante da tradição: qualquer lição divergente em relação a outra que,
no mesmo lugar, é apresentada por outro testemunho da mesma tradição.
Variante de autor: unidade verbal que difere de uma outra forma,
anterior ou posterior; diferentes versões de um texto distinguem-se
pelas suas variantes; a noção de variante supõe em princípio uma versão
considerada como referência; é tendo-a em conta que numa edição crítica
se pode estabelecer um aparato de variantes. A variante de autor é, em
alguns casos, de difícil distinção relativamente à remodelação,
sobretudo nas obras medievais de alto grau de estilização formal.
Variante equipolente: nome que toma a variante adiáfora na recensio.
Versão: estado de um texto que considera todas as variantes nele
introduzidas, num processo de cópia, pelo autor ou por alguém
autorizado, em oposição ao estado anterior e a eventuais estados
posteriores resultantes de novas reformulações; qualquer uma das versões
é um original.
Verso: face posterior de um fólio, em oposição a recto; num livro ou
caderno abertos, é a página da esquerda.
Volumen: forma primitiva do livro, apresentando-se como um rolo de
papiro ou pergaminho. O livro encadernado é criado no século I pelo
ateniense Filácio.
Vulgata: [1] como nome próprio, designa a tradução latina da Bíblia
compilada por S. Jerónimo no século V e autenticada pelo Concílio de
Trento no séc. XVI. [2] Versão de um texto considerada autêntica e com
mais divulgação popular.
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